Carta ao diário

Olá diário,
e eventual leitor que o-tenha furtado do fundo de minha gaveta para fuxicar no meu dia-a-dia. Vocês são muito bem vindos! (mas não espalhem poraí o que vocês vão ver aqui) Afinal, aqui estarão documentadas as minhas atividades neste novo mundo por mim ainda não conhecido. Minhas impressões, pensamentos, dúvidas, medos e receios. Espero também, para a felicidade do leitor astuto que obteve acesso ao meu diário pessoal e para a minha própria, que aqui estejam também minhas conquistas. Minhas realizações e alegrias. Mas não sabemos disso ainda não é? Já que esta experiência ainda está por começar. Então seja bem vindo, aproveite! E para que o aproveitamento seja em sua completa magnificênciassíssima magnitude: alerto-o para a cronologia dos relatos. (Apesar de que ler uma história de trás para frente as vezes pode ser divertidamente produtivo)


Seu professor calouro anônimo,
Andre Bruinje


terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Reflexões póstumas sem bras cubas.

Há muito tempo sei qual profissão quero seguir em minha vida. A vontade de cursar Biologia veio cedo, ainda na 6ª série do ensino fundamental, no ano 2000. Nossa, já sou um futuro biólogo há praticamente 11 anos! Só agora me dei conta disso. Mas mesmo assim, mesmo com minha profissão certa há uma década, no quê eu trabalharia dentro da biologia era absolutamente desconhecido. Quando optei pelo curso, a pergunta que mais ouvi foi “você vai então ser professor?!” e a resposta era sempre “óbvio que não, nem todo biólogo precisa ser professor”, então ingressei no curso de bacharelado em biologia, mas a resposta à questão análoga à anterior era a mesma. Não sonhava em ser pesquisador. É claro que, calouro, no início de faculdade, não se sabe o que quer e o que não se quer fazer. Mas levou tempo até que isso mudasse.

Um estágio curto na coordenação de ciências e biologia do colégio que estudei minha vida inteira me aproximou um pouco mais do ambiente escolar. Desta vez não como aluno, mas pelos bastidores. Era iniciante ainda nas disciplinas de licenciatura (que deixei para a porção final do curso) e neste estágio fui apresentado a, entre muitas outras novidades, um livrinho pequeno de um autor que não tinha ouvido falar ainda: Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire. Juntamente com uma orientação e diálogo quase que diário com os coordenadores das demais disciplinas, tive um pouco mais de contato a respeito de quais são os objetivos, as funções, as preocupações, problemas, desafios e satisfações do ambiente escolar. Antes disso, para mim educação era apenas o conjunto de conteúdos que se aprende na escola. E o professor era quem vai à sala de aula “ensinar” os conteúdos do programa. E ponto!

Alguns muitos meses depois, cursando disciplinas de metodologia do ensino, didática, e as práticas de ensino em ciências e biologia, acabei me surpreendendo ao ver que em “saúde escolar” estão subentendidas muitas outras questões. O bem estar dos alunos, como sua saúde física, seu relacionamento, suporte e apoio de sua família, suas condições sociais que o fazem poder se dedicar ou não aos estudos, suas condições de moradia, o incentivo que recebe, a supervisão (seja para comparecer às aulas, ou no período do contra-turno), e suas atividades extracurriculares, são todos relacionados e preocupação da escola. São todos constituintes da educação.

Para tanto, por vezes o papel do educador é tão fundamental quanto o dos pais. Sendo este, além de um objeto mediador de conhecimentos, possivelmente uma imagem de referência, exemplo e até mesmo um influenciador e suporte de resiliência. O exemplo que o educador passa como ser humano, com sua postura, suas concepções de certo e errado e, idealmente, sua transparência podem muito bem ser moldadores ou influenciadores do indivíduo. Além disso, o que antes eu entendia como conhecimento, ou seja, os conteúdos específicos de cada disciplina, hoje vejo como apenas parte do que constitui o conteúdo em si. Juntamente com os conceitos, mecanismos, ferramentas e instrumentos ensinados em cada disciplina, abordagens transversais de temas paralelos a este conteúdo também fazem parte de sua totalidade. Meio ambiente e sociedade, questões relacionadas à ética e à moral, sexualidade, uso e abuso de substâncias ilícitas (temas que nem sempre estão de fato no currículo) estão diretamente ligados e relacionados aos conteúdos. Sendo estes necessariamente abordados sempre que possível ao longo do trabalho de todas as disciplinas. Dentro desta discussão toda, interesso-me particularmente por uma questão talvez um pouco polêmica, mas polêmica apenas por ser mal compreendida. O contato entre ciência e religião que, na minha área, tem um representante forte: o ensino de evolução.

A evolução das espécies é, de fato, completamente desconhecida pelo público leigo (que a única coisa que vem à mente é que viemos dos macacos e que Darwin era ateu). Seus mecanismos são mal compreendidos por profissionais (não especializados neste assunto) da área de biologia. É pessimamente explicada, ilustrada e exemplificada nos livros didáticos de ensino fundamental e médio. É fortemente distorcida pela mídia. Comumente é mal vista (por completa ignorância) nos meios religiosos. Nos momentos em que podemos considerá-la “bem explicada e entendida”, está incompleta. E, mesmo assim, norteia inteiramente todos os estudos de biologia. Parafraseando um importantíssimo biólogo geneticista, colaborador da síntese moderna da evolução, o ucraniano Theodosius Dobzhansky: “Nada em biologia faz sentido a não ser à luz da evolução”.

O ensino de evolução deveria começar cedo, já que “fósseis” está compreendido no conteúdo de ciências já na 5ª série e não vejo como falar de fósseis sem falar de evolução. Mas não ocorre. ‘Curricularmente’, evolução faz parte do programa de ciências do extremo final do ano letivo das 7ª séries. E, se cumprido o cronograma até aí, é visto muito superficialmente. Arrisco-me a dizer que, mesmo fazendo parte do conteúdo, é muito provavelmente evitado por alguns educadores. Talvez para evitar conflitos ou dificuldades idealísticas. Porém, evolução deveria ser paralelamente abordada, no mínimo, ao longo de toda a 6ª série (que é o ano onde são apresentadas todas as principais ‘categorias’ de seres vivos, os filos), aproximadamente aos 12 anos de idade. E estes (os filos), são apresentados em ordem de ‘proximidade’ conosco! Que oportunidade para trabalhar a evolução! Ao longo do ano todo, seus mecanismos podem ser facilmente utilizados para ilustrar o conteúdo (os diferentes tipos de animais e seres vivos). Desta forma, só seria necessário ao final do ano expor as propostas evolucionistas (plano desta aula em anexo, anexo1), pois seus mecanismos já seriam primariamente compreendidos.

Muitos instrumentos podem ser utilizados para o simples objetivo de compreender os mecanismos da evolução, um deles, o “especiômetro” (anexo2) tem uma simplicidade e eficácia didática bastante grande, e pode ser utilizado em qualquer momento oportuno do ano letivo. A utilização de textos de apoio (exemplo anexo3), pontualmente ou com a adoção de um livro paradidático, certamente somaria muito ao trabalho. Inclusive variando a metodologia e as atividades com os alunos. Acho bastante importante o contato do educando com obras, publicações, artigos de jornais, revistas, reportagens televisivas, artigos científicos (relação de bibliografias exemplo em anexo4) e até mesmo embalagens de produtos que consomem diariamente (podem ser utilizadas em aulas que abordam genética e nutrição). Faria uso destes em sala de aula (ao menos a título de curiosidade e informação) e, desta forma, reduzir a aparente distância entre os conteúdos abordados em sala de aula e o cotidiano do aluno.

Por fim, obviamente dependendo da equipe pedagógica do local de trabalho, acho muito importante fazer abordagens a respeito da história da ciência. O que seria uma deixa para conceituar ciência, explicar como é trabalhada e, principalmente, qual sua limitação, ou seja, até onde vai seu domínio. Tenho certa propriedade ao afirmar que ao censo comum, ciência e religião são vistos como opostos. Nas turmas em que tive a oportunidade de perguntar despreocupadamente se eles achavam que ciência e religião eram conflitantes, tive 100% de concordância (fato que até me surpreendeu). Alguns até enfatizavam: “Claro, completamente!”.

Acredito que esta visão pode ser muito prejudicial para o desenvolvimento do aluno. Até mesmo pode limitar sua futura carreira profissional. A concepção de que a ciência conflita com seu credo ou religião cria barreiras para a construção do conhecimento em muitas áreas, e isto pode inclusive dificultar o aprendizado em grandes áreas do conhecimento. “Se nada em biologia faz sentido a não ser à luz da evolução. Se a evolução é inevitavelmente contrária ao que eu acredito como verdade espiritual. Se eu tenho a minha fé estabelecida. E se para eu aceitar a evolução eu preciso negar minha fé. Então nada em biologia faz sentido!”. Esta linha de raciocínio não é incomum, e pode ser estendida, em casos extremos, à ciência como um todo. Quão desastroso seria se um raciocínio desta forma se estendesse ao ponto de fazer um devoto negar um tratamento médico!

Esta visão equivocada, este “falso conflito”, deve ser superado desde cedo na vida escolar do educando. Fazendo-o compreender que a ciência e a religião se estabelecem em domínios distintos, que não se sobrepõem. Parafraseando outro importantíssimo evolucionista, o excepcional paleontólogo americano Stephen Jay Gould: “A ciência estuda o céu. A religião, como chegar ao céu”.